Enólogo brasileiro é condecorado em castelo na Itália

08/07/2016


RIO – Era uma vez um carioca que amava vinhos. Ele dedicou quase metade de sua vida ao estudo e à degustação da bebida feita de uvas até que, em reconhecimento pelo empenho e paixão, virou cavaleiro de um castelo medieval. O episódio, que mais parece ter saído de um conto de fadas, é real. E o cavaleiro, que dispensa o cavalo para circular na Lagoa, onde mora, é o economista Marcelo Brocchi. No dia 8 de abril passado, ele se tornou o primeiro brasileiro a receber o título de “Cavaleiro das trufas brancas e dos vinhos de Alba”. A comenda é conferida por uma confraria enogastronômica criada em 1967 em uma cerimônia no castelo de Grinzane Cavour, uma construção de mais de 700 anos que fica na região do Piemonte, no norte da Itália.

O título e a medalha trazem o nome de dois produtos típicos da região, reconhecidos mundialmente pela qualidade. Um deles é a trufa branca, um fungo que se tornou um dos ingredientes culinários mais caros do mundo. O outro são os vinhos feitos nas comunas de Barolo e Barbaresco, próximos à Alba, os preferidos do pesquisador.

Os vinhos, do tipo tinto seco, são considerados especiais porque são produzidos a partir da uva nebbiolo. Apenas a região de Piemonte, que tem cerca de 200 produtores, oferece as condições ideais para o cultivo desta cepa da fruta, o que os especialistas chamam de terroir. O termo é uma palavra da língua francesa sem tradução em idioma algum, e que, de acordo com a enciclopédia Larousse do vinho, significa “a relação mais íntima entre o solo e o microclima particular, que concebe o nascimento de um tipo de uva que expressa livremente sua qualidade, tipicidade e identidade em um grande vinho, sem que ninguém consiga explicar o porquê.”

Uma particularidade que contribui para o misticismo de um estilo de vida que envolve cavaleiros, castelos, bebidas e comidas especiais, e que, para a maioria da população, só existe no imaginário ou nos livros de histórias infantis. No mundo todo há menos de 500 cavaleiros das trufas brancas, segundo Brocchi. Eles formam um tipo de sociedade em que o ingresso é feito por indicação de quem já está dentro, cujo título serve como um reconhecimento do empenho na apreciação da bebida produzida ali.

— Eu sou apaixonado pela região, conheço os moradores e produtores do local — conta.

Brocchi diz que nem os próprios cavaleiros sabem responder a todas as peguntas sobre como funciona e como se organizam as atividades que acontecem no castelo. Ele foi condecorado na edição de número 262 do evento, que acontece algumas vezes por ano, sem datas fixas, junto com outros pesquisadores como o ator americano Daniel McVicar, que participou de filmes como “Guerra dos sexos” (2010) e “A guardiã” (1994).

O castelo de Grinzane Cavour começou a ser construído no século XIII. Teve vários proprietários e passou por modificações ao longo dos anos até ganhar a atual aparência, depois de uma reforma em 1961, em comemoração aos cem anos do estado italiano unificado. Junto com toda a região produtora de vinhos, entrou para a lista de patrimônio mundial da Unesco em 2014.

Os cavaleiros têm acesso aos leilões anuais de trufas brancas que acontecem no castelo. No ano passado, uma delas, com 900 gramas, foi vendida pelo equivalente a R$ 400 mil, durante o festival anual que dura um mês e começa em meados de outubro. Além de ser típica da mesma região, a trufa branca está sempre lado a lado com o vinho tinto seco porque é um ótimo ingrediente para a harmonização.

— Eu vou nas vinícolas e participo das colheitas e das degustações. O momento de maior entusiasmo e maior concentração de pessoas no local é justamente durante a feira das trufas brancas. É quando os cavaleiros de todo o mundo se reúnem. Vem gente do Japão, da Dinamarca, da Inglaterra… — diz.

A apreciação de vinhos, no entanto, é apenas um hobby para Brocchi, que tem 46 anos. Formado em Economia, ele é diretor da CPR Med, empresa especializada em segurança do trabalho localizada no Rio. De ascendência italiana, ele conta que cresceu vendo os pais consumindo vinhos. Decidiu estudar a bebida aos 25 anos, quando fez um curso de sommelier — iniciativa que considera o primeiro passo para quem quer se tornar um conhecedor. Desde então ele estuda vinhos do mundo todo, mas começou a focar nos Barolos nos últimos dez anos.

— O curso de sommelier vai dar os caminhos para você saber onde quer chegar e descobrir qual vinho lhe fala ao coração. No meu caso, é o vinho Barolo. Eu sou “barolista” — conta, levantando uma taça da bebida com uma das mãos.

Ele se divide entre seu apartamento na Lagoa, quando está no Brasil para cuidar dos negócios, e sua casa na Itália, onde tem uma adega com mais de quatro mil garrafas de vinho. Boa parte dessa coleção foi formada por presentes recebidos dos próprios produtores durante as degustações. Ele, no entanto, não esconde o desejo de, no futuro, mudar-se para Piemonte e ter a própria produção.

HISTÓRIAS DE PIEMONTE NA BAGAGEM

Marcelo Brocchi contou histórias e deu dicas para saber se um vinho é de boa qualidade e esclareceu mitos sobre a degustação, todas reunidas no box ao lado. Ele também explicou que a trufa branca é um fungo comestível que cresce debaixo da terra, e que não há um meio de cultivá-la. É encontrada com a ajuda de cães farejadores treinados, e as melhores são da região. No leilão anual de trufas de Grinzane, que acontece na sala de máscaras do castelo, os principais chefs do mundo dão lances na tentativa de arrematar a maior e mais cara trufa da temporada. Indicada para ser consumida na companhia de um bom vinho, a trufa branca pode virar ingrediente de produtos como azeite e mel ou ser ralada para compor uma refeição. A região de Piemonte realiza, anualmente, o festival das trufas brancas, que dura um mês e começa em outubro. Esta é a época em que as trufas de melhor qualidade são encontradas.

HOMENAGEM À CRISTINA

Taça de vinho Barolo Percristina, produzido por Domenico Clerico em hom – Guilherme Leporace / Agência O Globo

 

Um dos vinhos mais famosos da região tem sua história ligada à uma tragédia local. A história foi contada a Brocchi por Domenico Clerico, um produtor conhecido na Itália. Clerico chegou a se emocionar ao relatar a históriaao sommelier, quando o pesquisador fez uma visita à vinícola do italiano em 2004. Filha do produtor, Cristina morreu em 1995 depois de tomar uma anestesia. Ela havia cortado o dedo enquanto participava da colheita de uvas para a produção. Depois disso, Clerico criou o vinho barolo “Percristina” que significa “para Cristina”. A rolha usada para tampar a garrafa tem grafada, ainda, uma estrela como complemento da homenagem à menina. Uma garrafa deste vinho pode custar até 1.000 euros.



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